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31/08/2018
CNM alerta para mudança nas competências da assistência social e ausência de debate em nova Lei
Foi publicada, na última sexta-feira, 24 de agosto, a Lei 13.714/2018, que trata da identidade visual do Sistema Único de Assistência Social (Suas) e propõe “assegurar o acesso das famílias e indivíduos em situações de vulnerabilidade ou risco social e pessoal à atenção integral à saúde”. No papel de entidade representativa da gestão local, a Confederação Nacional de Municípios (CNM) alerta, porém, para impactos na área e a falta de debate por parte do Congresso Nacional e do governo federal ao estabelecer novas diretrizes.
A normativa altera responsabilidades em detrimento de outra área, a da saúde, e ignora determinação da Lei Orgânica da Assistência Social (Loas) 8.742/93 sobre a construção participativa e compartilhada de políticas do setor entre os Entes da Federação. O texto inicia falando da padronização da identidade visual, mas, em seguida, muda o tema e atribui à assistência a responsabilidade de categorizar e selecionar quem terá acesso à medicamentos e outros produtos da saúde.
A CNM destaca que os benefícios são concedidos pelo Município à população, única e exclusivamente por meio de recursos próprios. Logo, a atribuição de mais uma responsabilidade vai onerar financeiramente os Entes locais, bem como abre precedente para um possível aumento em casos de judicialização no Suas.
Com a Constituição de 1988 e a Lei 8.080/90, a universalidade de acesso à saúde em todos os níveis de assistência foi instituída como um princípio base do Sistema Único de Saúde (SUS). Sendo assim, as alterações propostas tornam-se inconstitucionais pois, além de tentarem alterar o princípio constitucional, interferem no exercício de outra política pública.
Direito universal e grupos
Um terceiro agravante é a vinculação de um direito universal, o acesso aos medicamentos, à condição de vulnerabilidade e risco social. A ação, portanto, afunila e seleciona o acesso a um direito social básico. Vale lembrar que os princípios de oferta de medicamentos e insumos também estão previstos na Política Nacional de Assistência Farmacêutica - Resolução CNS 388/ 2004.
Da mesma forma, a organização e o financiamento tripartite vêm sendo normatizados por instrumentos como o Decreto 7508/11 e as Portarias 2001/17 e 1555/13. Quanto à garantia do acesso à assistência farmacêutica, o mesmo se dá na rede de saúde local: munido com o cartão SUS, os munícipes acessam os serviços de saúde que prescrevem e dispensam medicamentos.
O cuidado em saúde também se organiza por grupos com determinadas características que não estão relacionadas com condição vulnerável. Um exemplo disso é a dispensa de medicamentos a hipertensos, diabéticos, tabagistas, pessoas com algum tipo de sofrimento biopsíquico e pessoas que vivem com HIV. A norma publicada recentemente tenta sobrepor-se aos Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas (PCDT), que indicam os caminhos a percorrer na promoção e cuidado da saúde desses e de outros grupos.
Espaço de debate
A Loas, importante instrumento normativo político e técnico no âmbito do Suas, propõe, em sua essência, a gestão democrática e participativa, bem como a descentralização político-administrativa entre os entes federados. Ela define as instâncias de pactuação e deliberação de diretrizes, incluindo a participação de gestores municipais, estaduais e representantes da sociedade civil e do governo federal nos debates sobre a gestão da área e a garantia de acesso aos serviços pela população.
Desta forma, toda e qualquer pauta deve ser debatida na Comissão Intergestora Bipartite (CIB), na Comissão Intergestora Tripartite (CIT) e no Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS). Inclusive como forma de respeitar o pacto federativo e prezar pela autonomia municipal.
Desalinhamento
Desde 2010, cabe ao Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS) definir a relação entre os benefícios eventuais da área com as políticas de saúde. Isso se deu por meio da Resolução 39/2010, que estabelece que a oferta de medicamentos, órtese, prótese, óculos, cadeiras de rodas, por exemplo, não são provisões da assistência.
Antes, o Decreto 6.307/2007 já afirmava que as provisões relativas a programas, projetos, serviços e benefícios diretamente vinculados ao campo da saúde, educação, integração nacional e das demais políticas setoriais não se incluem na modalidade de benefícios eventuais da assistência social.
Sendo assim, a Lei 13.714/18, que está desalinhada das demais normativas, fere o princípio da universalidade do acesso e ignora o debate com as instâncias de pactuação do Suas e do SUS. Fere-se a autonomia municipal e o conceito de benefício eventual, estabelecido há mais de 10 anos. Por isso, a CNM solicita aos gestores e técnicos municipais dos Suas e do SUS que, por meio das instâncias de pactuação, se posicionem e apontem as consequências da legislação em questão.